Notas sobre a jornada de trabalho da mulher comerciária aos domingos

Em recente julgado a Seção de Dissídios Individuais (SDI-1) do TST direcionou a controvérsia do descanso aos domingos para as Mulheres no comércio, de modo a beneficiá-la quinzenalmente nos termos do artigo 386 da CLT :
Art. 386 – Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical.
Ao longo do respectivo processo, nos debates e na fundamentação, trazidos no acórdão, houve o evidente confronto da referida norma celetista com o artigo 6º da Lei 10.101/2000, que até aquele momento representava o entendimento predominante na grande maioria dos julgados, ou seja, todos os comerciários, teriam a concessão de descansos aos domingos a cada três semanas, nos termos abaixo :
Art. 6o Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007)
Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007)
Ocorre que com nova roupagem conferida pela SDI, na baila da declaração de constitucionalidade do artigo celetista, este além de ter sido aplicado, fora considerado como sendo norma especial de caráter protetivo às mulheres, assim, a norma geral contida na Lei 10.101/2000, não teria capacidade de revogar a norma especial.
Ademais, restou bem sedimentado as razões do Tribunal, que trazemos de forma resumida para compreensão e com grifos :
(…)
a) o art. 7º, XX da Constituição prevê, entre os direitos
fundamentais, a “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”, o que induz à relevância de preceitos de lei que viabilizem progressivamente o ingresso das mulheres no mundo institucional do trabalho, sem embargo do tempo maior que dedicam à reprodução, formação e sociabilização da força de trabalho (cabe redarguir, como argumento ad terrorem e em desalinho com dados estatísticos, a ilação de ser a proteção das condições de trabalho da mulher um fator de redução da sua empregabilidade);
b) em respeito à tridimensionalidade da norma jurídica, e agora sob o prisma histórico-cultural, é tempo de o Direito inverter a lógica perversa de desconsiderar ou comprometer o tempo dedicado à reprodução (trabalho reprodutivo) da fonte de trabalho mediante a atribuição à mulher de trabalho
produtivo em condição incompatível com a sua função
biológica, econômica e social;
c) o art. 386 da CLT revela um estágio evolutivo na concretização do art. 7º, XX da Constituição que não comporta retrocesso se a restrição que se busca, por meio da atividade jurisdicional e de lege ferenda, não atende à exigência de ser “medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente com o objetivo de favorecer o bem-estar geral em uma sociedade democrática” (art. 4º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais)
d) a progressividade dos direitos humanos e fundamentais –
prevista no art. 2º.1 do Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, no art. 26 da Convenção
Americana de Direitos Humanos e, na espécie, no caput do art. 7º da Constituição – reveste-se de caráter normativo e se
submete ao controle jurisdicional, consoante vem de decidir a Corte Interamericana de Direitos Humanos desde o caso
Acevedo Buendía e outros vs Peru;
e) o critério da especialidade, entre aqueles que servem à
resolução de antinomias entre normas jurídicas, não é
oponível à prevalência do art. 386 da CLT, em lugar do art. 6º
da Lei n. 10.101/2000, dado que é aquele, e não este, o
dispositivo que veicula a norma especial, vale dizer: da norma generalíssima contida na Lei n. 605/1949, raiz de todo o debate, destacam-se os destinatários da Lei n. 10.101/2000
(art. 6º), ou seja, todos os trabalhadores do comércio, e, dentre estes, destacam-se as mulheres trabalhadoras no comércio em geral – tuteladas, com maior especificidade, pelo art. 386 da CLT
O Tribunal Superior do Trabalho, entendeu por decisão unânime da SDI-I, que na confecção de escala de revezamento das mulheres, o artigo 386 da CLT (folgas aos domingos quinzenais) se aplica em face do artigo 6º da Lei 10.101/2000 (folga aos domingos a cada três semanas).
Evidentemente que o assunto ainda comporta discussão sobre vários aspectos legais, como igualdade entre os gêneros em que o homem efetivamente também poderia exercer o compartilhamento das mesmas obrigações da mulher, por exemplo, no caso de único responsável parental de menores, ou ainda mesmo, em que se prove a exata divisão de tarefas, por exemplo.
Desta forma, importante a atenção necessária, estávamos nos deparando caso a caso , com o surgimento de decisões neste sentido, mas, com a recente decisão proferida pela SDI-I em sede de Embargos de Divergência, nos autos PROCESSO Nº TST-E-ED-RR – 619-11.2017.5.12.0054 entendemos que poderá haver reforço dessa tendência.
Estamos acompanhando o processo em epigrafe, que tem pendente de julgamento um Recurso Extraordinário, ou seja, o STF analisará a questão e ficará com a última palavra neste caso.
Assim, diante das recentes decisões, recomendamos aos Empresários se atentarem para este cenário e possibilidade de existência de passivos ocultos.
Alves Gaya Advocacia e Consultoria
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PROCESSO Nº TST-E-ED-RR – 619-11.2017.5.12.0054 – file:///C:/Users/noemi/Downloads/E-ED-RR-619-11_2017_5_12_0054.pdf